A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) dá, nesta quarta-feira, o pontapé inicial para tentar uma grande mudança no sistema ferroviário do país. Três resoluções, publicadas nesta quarta-feira no Diário Oficial, devem abrir o mercado de trens, acabar com o monopólio em linhas de grande movimento e forçar a queda das tarifas já a partir de 2012. A novidade deve aumentar a concorrência e permitir que novas empresas utilizem a malha atual. Dos pouco mais de 28 mil quilômetros (km) de ferrovias concedidas no país, só 10 mil são utilizados plenamente.

 – Vamos aumentar a competitividade entre as companhias e aproveitar a malha existente, que hoje é mal utilizada – disse ao GLOBO o diretor-geral da ANTT, Bernardo Figueiredo.

As concessionárias terão de comprovar que estão usando sua capacidade total de transporte e cumprir metas que serão definidas até o fim deste ano. Se a ANTT constatar capacidade ociosa, as empresas serão obrigadas a permitir que outras companhias utilizem aquele trecho.

Para garantir que as novas regras estão sendo cumpridas à risca, a ANTT vai instalar, até o fim do ano, um grande centro de controle de operação das ferrovias em tempo real para apertar a fiscalização. A tecnologia, que dispõe de GPS via satélite, está sendo repassada ao Brasil pelo governo espanhol.

 Pelas regras atuais, qualquer empresa de trens que queira usar um trecho de uma concessionária está sujeita a regras e preços estabelecidos pela dona do trajeto. A partir de hoje, o governo garante aos interessados o uso da ferrovia em qualquer circunstância, desde que paguem pelo uso da infraestrutura. A resolução protege os direitos do usuário, que contrata as concessionárias para o transporte de suas cargas e institui penalidades, por exemplo, para o atraso nas entregas.

Em outra resolução, fica determinado que as metas das concessionárias serão definidas por trecho, e não mais pela concessão como um todo. Isso porque as empresas cumpriam uma meta global, mas abandonavam trechos específicos por alegar que não eram economicamente viáveis. Tudo o que não usarem poderá ser utilizado por outras concessionárias ou empresas de trem que tenham interesse em usar a infraestrutura. As novas metas, que serão discutidas com o setor até dezembro, entram em vigor em 2012.

– Há empresas que se aproveitam do fato de deterem o monopólio da linha, não usam e não repassam o direito a ninguém. Como elas vão ter que cumprir as metas, se tiverem capacidade ociosa vão ter que vender o direito de uso para outras empresas e os preços terão de ser competitivos porque ela tem a obrigação de cumprir a sua meta – explicou Figueiredo.

Grandes cooperativas de grãos e outros produtores já começaram a se organizar para, juntos, poderem ter os seus trens e escoar a produção a preços mais camaradas do que os praticados hoje. Eles apostam em queda das tarifas, com aumento da eficiência e ganho de escala, além de redução dos custos de armazenagem com o fim dos atrasos.

 – Essa era uma demanda os usuários. É o nosso código de defesa do consumidor. Os usuários nunca participaram de qualquer decisão de preços e forma de transporte. As concessionárias tinham poder absoluto – afirmou Luis Henrique Baldez, presidente executivo da Associação Nacional dos Usuários dos Transportes de Carga (ANUT).

– Se funcionar, é menos um gargalo para a produção. Melhorar o sistema ferroviário é preparar o país para crescer. Precisamos ter como escoar a produção cada vez maior – afirmou o secretário da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Fabio Trigueirinho.

A expectativa do setor produtivo é que o custo dos transportes caia não só nas ferrovias, mas também nas rodovias, que, hoje, competem com os trens.

As mudanças, segundo a ANTT, não alteram os contratos vigentes porque já havia dispositivos permitindo ao governo estabelecer as regras de funcionamento. Os contratos com as concessionárias são válidos por cinco anos.

 Tarifas serão recalculadas até o fim do ano

A ANTT também está concluindo uma quarta resolução, que será publicada até o fim do ano, com as novas tarifas-teto para o setor. O órgão regulador está finalizando um longo estudo sobre os preços cobrados pelas concessionárias hoje para ajustá-los à realidade. Há trechos cujos preços estão muito além do que deveriam, encarecendo o custo de transporte e escoamento da produção.

 – No passado recente, os produtores foram submetidos a reajustes excessivos de tarifas, de duas ou três vezes o índice de inflação em um ano. Este foi um dos pleitos do setor produtivo à ANTT – afirma Trigueirinho, lembrando que a tabela de preços atual data de 15 anos.

A tabela de preços das concessionárias foi montada quando da privatização da malha ferroviária e tinha por objetivo atrair concorrentes para os leilões. Fontes do governo admitem que, à época, os preços teriam sido jogados para cima. Desde então, nada mudou.

Nas próximas semanas, termina o prazo para que as concessionárias enviem ao governo um cronograma com os investimentos que farão para habilitar todos os trechos sob sua guarda que não estão sendo utilizados. No Rio, os trechos Campos-Rio e Barra Mansa-Angra estão na lista dos que terão de ser recuperados. Atualmente, 5.760 quilômetros de trilhos de trem simplesmente não são utilizados no país. Outros sete mil são subutilizados.

De acordo com a ANTT, as mudanças que estão sendo propostas no marco regulatório devem atrair novos investidores para o setor. A Rumo Logística, empresa de transporte ferroviário controlada pela Cosan, que começou a operar em janeiro de 2010, não disfarça o interesse em ampliar sua área de atuação. Hoje, para transportar açúcar, a empresa tem um contrato de longo prazo com a ALL e deve investir até R$ 1,4 bilhão no negócio. Deste total, metade já foi realizado.

As alterações propostas pelo governo, que vão valer também para linhas que estão em construção, abrem caminho para que passe a operar em outras malhas e até mesmo a transportar outros produtos além do açúcar no futuro.

– Viabilizar novas licitações e como vão ser disponibilizadas as linhas (atuais), é visto com bons olhos. Vamos analisar com carinho – disse ao GLOBO o presidente da empresa, Julio Fontana.

 Procurada pelo GLOBO, a Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), que sempre resistiu às mudanças, não tinha porta-voz disponível para comentar o tema.

Fonte: Globo

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