A última imagem feita pelo cinegrafista Gelson Domingos, morto no último domingo ao cobrir uma operação policial no Rio de Janeiro, conta uma história trágica e que se relaciona com a rotina de milhares de profissionais da imprensa em todo o país. Nos últimos instantes de vida, Gelson ainda executa seu serviço e deixa um registro significativo que não pode ser desprezado, antes, tem o poder de suscitar o debate sobre o que tem acontecido com a profissão de jornalista nos últimos anos, e de como a sociedade não tem recompensado sua valiosa contribuição.
A sociedade precisa reconhecer o valor da imprensa, entendendo exatamente qual o papel do profissional que se arrisca, avançando pelas linhas de frente de todas as batalhas, para trazer à luz nossa real situação. Um profissional que, na maioria das vezes, trabalha com poucos recursos, com uma carga pesada de exigências, massacrado por prazos exíguos e salários que não condizem com a tarefa imposta.
Na sua última gravação, Gelson filma por sobre o ombro de um policial escondido atrás de um poste. Os dois estão na linha de tiro de criminosos enfurecidos. Gelson quer mostrar a ação e busca uma imagem que identifique os criminosos. O repórter, seu colega, não está longe. Os dois souberam da operação às 5h da manhã, horário em que já estavam trabalhando em mais um plantão, em pleno domingo.
Gelson e o colega tem um colete à prova de balas à disposição, mas o equipamento não é suficiente para deter munição de fuzil. Era esse o armamento usado pelos criminosos que nunca estão pra brincadeira e que não respeitam os “neutros” na batalha. Foi a bala de um fuzil que matou Gelson que filmou até pouco depois de cair.
A bravura desses profissionais não se vê em qualquer lugar mas é muito frequente entre repórteres de todos os veículos. Há uma característica muito constante em jornalistas que é a ânsia de informar a qualquer custo. Não sei se são movidos pelo dever, pela curiosidade, pela satisfação pessoal, mas o serviço que prestam à sociedade por causa desse motor que os impulsiona é incalculável e inestimável.
Nossa sociedade tem melhorado e muito seus mecanismos de combate à corrupção e tem aprendido a se autoavaliar por causa da imprensa atenta e corajosa que não se inibe ante o calibre dos poderosos e infratores.
No entanto, a mesma sociedade que senta todos os dias à frente da TV para saber as notícias pelos telejornais, que se informa pela internet, que busca conhecer a realidade pelos jornais, desconhece o quanto os produtores da informação são pouco recompensados e pouco valorizados.
Na maioria das empresas, poucos nomes se destacam e geralmente aqueles que menos se arriscam. Nos programas de TV é comum se dar ênfase demasiada aos apresentadores. Estes, via de regra, levam a maior fama e recebem os maiores salários, muito díspares daqueles pagos aos que estão nas ruas, ou nos bastidores, checando as denúncias, dando a cara a tapa e o peito à bala todos os dias. Gelson mesmo era um desconhecido do grande público, mas pelas lentes de sua câmera já havia flagrado cenas impressionantes do cotidiano carioca e merecido menções honrosas em prêmios da categoria no país.
Com raríssimas exceções, jornalista ganha pouco para trabalhar demais. Normalmente, os profissionais se desdobram em dois, até três empregos para compor sua renda, porque com um salário apenas é difícil atender às necessidades de contínuo estudo e aprimoramento. Essa é a realidade da profissão em todo o país e em Goiás não é diferente.
E sobre esses homens e mulheres pesa a responsabilidade de serem a voz e os olhos da sociedade. São os jornalistas que cobram a qualidade dos serviços públicos, que ajudam a vigiar a administração pública, evidenciando as irregularidades e os descumprimentos da lei. São os jornalistas que nos mostram as informações preciosas para a tomada de decisões, seja do que for, de trânsito à economia. Em todo o país, esses trabalhadores se arriscam, apontando os abusos dos “coronéis” no interior, os desmandos dos senhores de terra que ainda cumprem seus desejos pela força da arma, a ousadia de traficantes nas grandes cidades. Há muitos Gelsons pelo Brasil comemorando a proeza de retornarem vivos para os seus.
Em vez do respeito que merecem, os profissionais da imprensa muitas vezes recebem escárnio de quem não se esforça para compreender os nuances do jornalismo. Um exemplo foi o ataque sofrido pela repórter da Globo em São Paulo, feito por baderneiros que se julgam politizados mas que demonstram clara confusão dos papéis sociais.
Como sociedade, precisamos revisitar nossa escala de valores e repensar muitos conceitos. Os dois episódios, o ataque à repórter e a morte do cinegrafista, são emblemáticos e deveriam conduzir a sociedade à uma reflexão sobre o que é necessário fazer para resguardar o direito desses profissionais de continuarem servindo o país com seu trabalho. Além salários dignos, condizentes com a necessidade que se tem da imprensa, é preciso proteger os jornalista com legislações que garantam o fornecimento por parte das empresas de todos os equipamentos de segurança à altura do risco da tarefa imposta. Mais que detalhes, as garantias e os benefícios são imprescindíveis para que haja jornalismo crítico de qualidade e seja mantido o direito imarcescível de todos à informação.
César Augusto Machado de Sousa é Apóstolo, Escritor, Radialista. Escreve todas as terças-feiras para o DM. E-mail apostolo@fontedavida.com.br