O Governo Dilma já pode ser celebrado por muitos avanços, mas com certeza, entre os principais destaques, está a criação de uma comissão especial para trazer à memória da nação a história  da ditadura. O Brasil não pode esconder sujeira sob tapetes, não pode se dar ao luxo de ignorar um passado tão recente e tão nefasto. O silêncio, nesse caso, só contribuiu para distorções e para ampliar o risco de que o passado nos assalte novamente.

 É curioso ouvir defesas da ditadura. Tem muita gente que acredita que o golpe militar foi legítimo e mais, que fez bem à nação. Há brasileiros que impelidos pelo silêncio brutal que paira sobre a violência dos anos de repressão acredita que o regime militar foi melhor do que o presente, ignorando os nuances de que a história foi maculada pela cerceamento do direito de retratar a realidade. A imagem tida daqueles dias, não foi uma imagem criada com a liberdade de questionamento, com a informação livre, circulando entre todos. Aqueles anos foram pintados pelas cores da propaganda oficial e com o alto custo de vidas massacradas pela opressão.

 A presidenta deu o tom necessário para o momento que se quer buscar. Não é vingança e não pode ser perdão, é justiça, é consolidação da democracia. É preciso esclarecer a nação que há diferença entre os que torturaram, mataram, eliminaram corpos e aqueles que resistiram, que se defenderam, que lutaram pela liberdade do país. É preciso esclarecer que há diferença entre os que lutaram pela democracia, e aqueles que usaram o poder da função para cristalizar uma minoria no poder.

 A emoção da presidenta não poderia ter sido menos emblemática. Ao citar Ulisses Guimarães: “a verdade não desaparece quando censurada”, Dilma poderia estar falando de si mesma, porque traz em si capítulos da nossa história. “Verdade é o oposto de esquecimento” e é esse o objetivo do Estado Brasileiro em resgatar o que houve naqueles dias de chumbo.

 Trazer consigo para o lançamento da Comissão os presidentes que a antecederam foi um símbolo de que vivemos o resultado de um processo histórico. A primeira mulher a governar o país é uma ex-torturada que reconhece que a democracia que temos, mais madura 28 anos depois, não foi resultado de força bruta, mas de crescimento, de experimentação, de erros e acertos de um povo livre.

 A presidenta enfatizou que o direito à verdade é sagrado para o país, assim como o das famílias dos mortos de conhecer o que se passou com os seus. Reconhecer isso é imprescindível para que a sociedade brasileira enfrente seus fantasmas. É preciso ter a ciência de quantos morreram e de que forma morreram para que possamos evitar que a tortura e os assassinatos em nome da ordem voltem a ser considerados serviço público.

 Os escolhidos para integrar a comissão são considerados sensatos e capazes de assimilar a importância da tarefa que tem pela frente. Dilma se dispôs a oferecer todo apoio, mas deixou claro que os sete membros terão total liberdade de ação e trabalho. Espera-se desse grupo, sensibilidade e frieza, respeito e ousadia, coerência e espírito crítico e questionador e acima de tudo, compromisso com sinceridade com que a nação se pretende olhar.

 Dilma falou que a Brasíl está ávido pela pacificação, pela reconciliação nacional e esta análise é de quem viveu e vive o peso daqueles anos insepultos. Não se resolve conflitos à canetada, não se apazigua ânimos e se fecham feridas com promulgação de leis. O que se espera dos comissionados é a disposição para se discutir a fundo o que aconteceu na ditadura e avaliar também o impacto do que foi aquilo para a nossa identidade atual.

 Se vasculhar o passado é o remédio para as brechas abertas, a vacina contra novas chagas vem com a lei da transparência das informações públicas. Coube à uma vítima das cortinas inescrutáveis da ditadura assinar a lei que impede que crimes contra os direitos humanos tornem-se sigilosos, secretos.

 “Nós reconquistamos a democracia por meio de lutas e sacrifícios humanos irreparáveis”, disse a presidenta emocionada, valorizando de igual modo os pactos políticos que foram firmados e os consensos das forças que nos permitiram chegar ao momento de discutir o passado.  Dilma sagra-se a presidenta preocupada com a eficiência das instituições e dos ritos democráticos, e torço para que seu apelo para o conhecimento do todo da história brasileira alcance esta e as novas gerações. Estejamos prontos a ouvir a voz do passado, e que a verdade,  por tanto tempo impedida de “circular livremente”, como descreveu a presidenta, venha voando trazer consolo aos que tanto perderam e libertar o Brasil da ignorância vil.

 César Augusto Machado de Sousa é Apóstolo, Escritor, Radialista. Escreve todas as terças-feiras para o DM. E-mail apostolo@fontedavida.com.br

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