Tenho refletido bastante sobre a evolução da democracia brasileira. Estamos num processo, historicamente falando, muito recente de aprendizado dos mecanismos democráticos e a cada exigência que a sociedade faz por clareza e transparência, percebo que nossas conquistas são sólidas.
Tendemos a olhar para escândalos de corrupção com enfado e até descrença de que as coisas estão melhorando, mas a verdade é que estão. O fato de que os crimes estão em evidência, foram trazidos à luz do dia, nada mais é do que a consolidação da liberdade de expressão e do amadurecimento político.
É claro que o estarmos em trânsito, rumo a um modelo mais ideal, significa que ainda não o obtemos. Há imperfeições que nos limitam, mas elas só serão superadas com a perverança no que é certo e não no que é fácil. Um exemplo disso é o transtorno que a divulgação de salários de funcionários públicos pode trazer. Embora eu tenha defendido no último artigo, e realmente acredite veementemente que a prática é saudável para a sociedade, é preciso reconhecer que nosso estado ainda não supre no quesito segurança. Ter os rendimentos expostos também expõe o servidor aos atos vis dos “amigos do alheio” e esse é um risco bem real.
Mas a nação precisa evoluir, precisamos avançar seguindo o exemplo de quem já se destaca naquilo que queremos alcançar. Nas nações desenvolvidas, o que discutimos sobre a divulgação de renda e salários é considerado inquestionável e aí existe outro aspecto que talvez seja a chave para tal realidade: não existe a brusca e cruel desigualdade de renda com que convivemos no Brasil.
Em alguns países europeus existe até lei para que as diferenças salariais não afastem tanto o diretor do faxineiro da empresa. A renda respeita pisos e tetos, não tão díspares quanto o que vemos aqui. A violência social diminuiria consideravelmente se a diferença entre o padrão de vida entre ricos e pobres não fosse tão brutal. A pacificação da sociedade passa pela instalação de um equilíbrio econômico entre as classes e também pela construção de uma imagem coletiva de que é possível se crescer e prosperar apenas pela força do trabalho.
A exposição de gente que utilizou meios escusos para o enriquecimento ilícito pode, num primeiro momento, desmotivar o trabalhador, mas o vexame público dos corruptos e fraudulentos, a médio e longo prazo, com a punição adequada, pode servir para moldar comportamentos mais éticos na sociedade brasileira, mais confiantes de que a prosperidade – que não envergonha mais tarde- se obtém com suor e esforço, inteligência, criatividade e acima de tudo, honestidade e responsabilidade cívica.
O Brasil não pode ter medo da transparência, mesmo tendo a consciência de que encara-la é difícil. Assim como olhar para a luz fere os olhos, a exposição do que habitualmente foi sigiloso não é confortável, muitos ficaram descontentes e contrariados com o processo, mas é um exercício fundamental para que a nação desenvolva valores da democracia plena.
A abertura do escrutínio só exporá que tipo de país somos, em que gastamos nossos recursos, quais as nossas prioridades, o que alcançamos, onde erramos, onde devemos investir e no que devemos melhorar. A nação não pode temer o auto-conhecimento e que bom que a conjuntura sócio econômica nos permite tranquilidade para tal exercício.
Precisamos entender que a transparência nas coisas públicas não é a exceção, não é o anormal. O bizarro é a legitimação do obscuro na administração pública. As maiores empresas e certamente as mais bem sucedidas são aquelas que incorporam em sua rotina os serviços frequentes das auditorias. As grandes corporações pagam fortunas para serem devassadas por técnicos que investigam tudo e que em relatório criticam, apontam falhas, sugerem mudanças. Assim, as empresas se vacinam contra os vícios internos e se preparam para avalanches externas. Se as empresas se preocupam com isso, porque os governos não deveriam ter o mesmo cuidado?
Como disse na semana passada, a legislação e o governo Dilma presentearam o país com uma ferramenta há muito esperada. Com a lei da transparência, o brasileiro ganhou instrumentos para exercer sua cidadania e o processo agora é de aprender a aplicar o recurso. E sem medo.
César Augusto Machado de Sousa é Apóstolo, Escritor, Radialista. Escreve todas as terças-feiras para o DM. E-mail apostolo@fontedavida.com.br