Disparos seguidos de gritos, vidro estilhaçado, faixa listrada de amarelo e preto fechando a rua, um carro bloqueando a passagem e lá dentro o corpo de um homem. A descrição é a mesma de vários casos registrados na Capital, nas regiões periféricas, nos bairros nobres. É a imagem da nossa realidade triste, convulsiva. O registro de problemas sérios que precisam ser enfrentados. Cenas que tornaram-se frequentes no dia a dia do Goianiense, mas que não podem jamais serem consideradas normais, corriqueiras, embora seja esse um risco real.

Até junho, foram 271 homicídios na Capital, sem considerar a região metropolitana e o interior do estado. A pacata Goiânia que atraia paulistas pela segurança e paz não existe mais, é isso que os números mostram.

A segurança pública se debruça sobre os números alarmantes para entender a onda da violência, suas causas, seu alcance. Recentemente foram divulgadas informações sobre o que foi chamado de Mancha, um rastro sangrento sobre o mapa que é mais denso nos principais conglomerados, Goiânia, Aparecida, Anápolis e Entorno de Brasília. Onde há mais pessoas, há mais desigualdade, mais vulnerabilidade e maior incidência de crimes.

Goiás, é claro, não é um ente isolado e está submisso ao que acontece em todo o país. Aumento do poder dos traficantes, adoecimento dos dependentes químicos, agressividade provocada pela droga e o que os viciados fazem para consumi-la e sob seus efeitos, a impunidade e, por ironia, a aspereza do sistema prisional que não recupera ninguém, apenas desumaniza. Soma-se a tudo isso um efeito de contágio: a sociedade torna-se cada vez mais violenta à medida que notícias de violência se multiplicam.

A repetição dos fatos nos levam a incorporá-los e a vida segue, mas numa atmosfera de terror como a que respiramos a sociedade adoece aos poucos. As pessoas desenvolvem psicopatias, estresses, fixam-se numa atitude defensiva, desconfiada, e alimentam a violência com o medo.

A fuga desse temor, muitas vezes ocorre pela narcotização, pelo uso de drogas e pela embriaguez e, com isso, também insuflamos o mundo do crime e da agressão e estabelece-se uma espiral de terror e derrocada.

Se motivos não faltam, a responsabilidade também deve ser compartilhada entre sociedade e poder público. Claro que uma razão preponderante para chegarmos ao ponto em que estamos é a omissão das autoridades. Durante décadas o Brasil mantém os braços cruzados para a profissionalização da segurança frente à organização do crime. O crime se articula muito mais rápido do que as polícias, o crime substitui suas baixas com bem maior rapidez que os estados anunciam concursos públicos para repor o contingente que se aposenta, por exemplo. O armamento dos criminosos tende a ser mais avançado, mais numeroso. Nas polícias, o desafio é encontrar viaturas abastecidas, potentes o suficiente para uma perseguição de resultados.

A falta de estrutura acarreta também em ações desastrosas que, se ofendem a sociedade, são ainda mais nocivas para a própria corporação. A boa intenção de servir o país pode ser e é em muitas vezes maculada pelo afã de justiça, pela exacerbação da indignação, pelo atropelo da ordem e pelo medo que prefere abusar do poder que ser mais uma vítima. Inocentes morrem porque o Estado não se preocupa em treinar seus policiais a valorizar a vida e a respeitar direitos humanos acima de tudo. Foi isso que um estudo feito por um Coronel apontou em São Paulo — policiais precisam estudar e passar por reciclagens constantes para uma formação completa e humana. Uma corporação confiável e não temida é o que pode atrair a sociedade organizada para a causa do combate ao crime.

A participação e o envolvimento da sociedade no reconhecimento de que vivemos uma crise de segurança e uma quase guerra civil é imprescindível para mudança. Boa parte da tragédia diária pode ser evitada com o resgate de valores e princípios que estão se perdendo e essa tarefa não é do poder público, é dos pais, da família, das igrejas.

É preciso nutrir os jovens de afeto e diálogo para que eles não se tornem vítimas do tráfico por pura carência de amor e informação. Quantos lares desmoronam por omissão de mães e pais entretidos com afazeres mil e que enquanto se cercam de conforto e bens expõem seus filhos como presas fáceis? A maioria das famílias vem se entregando a um estilo de vida muito arriscado em que os membros se fecham em si e as proteções pelas quais todos são juntamente responsáveis estão ruindo.

Cabe também às famílias ensinarem limites aos seus membros, doutrinarem seus integrantes ao respeito às normas, sem o qual a civilização se esfarela ante o barbarismo. O que estamos assistindo em nossos dias é um retrocesso nos padrões conquistados ao longo da história da humanidade. Levamos milênios para consolidar a vida em sociedade, com ética e obediência às regras e, nas últimas décadas, por falta de limitar extravagâncias assistimos tudo rachar e ruir.

Apenas essa concepção de que todos somos responsáveis é que pode trazer alguma esperança de que vamos parar e retornar pela caminho errado que tomamos até encontrarmos novo rumo.

As famílias precisam fazer sua parte e o estado precisa cumprir seu papel, fornecendo a educação formal de qualidade, amplitude e profundidade, garantindo leis severas e eficazes, sistemas prisionais que reeduquem e não terminem por esfacelar o caráter dos presos, prover polícias íntegras, conscientes de suas atribuições e deveres e preparadas, psicológica e estruturalmente para cumprir seu papel. É preciso também investir em inteligência, em pesquisas e criar redes de apoio aos marginalizados e portanto mais vulneráveis ao crime, selar nossas fronteiras, impedindo o tráfico de armas e drogas e resguardar. É preciso priorizar a segurança e com ela, a vida.

César Augusto Machado de Sousa é Apóstolo, Escritor, Radialista. Escreve todas as terças-feiras para o DM. E-mail apostolo@fontedavida.com.br

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