Missionário da Igreja do Evangelho Quadrangular, Ministério Casa do Leão, Carlos, conhecido como Carlão, contava na frente do púlpito, na noite deste domingo, que conheceu Florisvaldo de Oliveira, antes conhecido como Cabo Bruno, no Presídio de Tremembé. Começava um de vários depoimentos do culto para empossar como pastor da Igreja Refúgio em Cristo, em Taubaté, o homem que nos anos 1980 foi considerado o justiceiro mais temido de São Paulo.

Pouco mais de um mês depois de ser colocado em liberdade, Florisvaldo de Oliveira assumiu neste domingo a função de pastor, substituindo no cargo sua mulher, Dayse França, que comandou a igreja durante dois anos. A cerimônia durou cerca de 2h30 e teve a presença de mais de dez pastores, uma comitiva de quatro representantes da sede da igreja no Rio, carcereiros do presídio e ex-detentos convertidos.

Antes de começar o culto, às 19 horas, Florisvaldo passou de banco em banco, cumprimentando todos. Magro, de cabelos brancos, com um terno azul-escuro de três botões e risca de giz, dava um beijo no rosto de todos os homens presentes.

No começo do culto, seus três enteados, filhos de Dayse, entoaram canções religiosas que levaram parte dos 50 presentes às lágrimas. Na igreja, um antigo restaurante no topo de uma colina, os presentes eram chamados para falar a respeito da transformação de Florisvaldo.

Há exatos 30 anos, em 1982, quando ainda era soldado da Polícia Militar, Cabo Bruno passou a matar os jovens dos bairros da periferia da zona sul da cidade suspeitos de ser criminosos. Bancado pelos comerciantes locais, se tornou um dos justiceiros mais famosos e temidos de São Paulo. Matava por não acreditar na recuperação dos “bandidos” que, para ele e para os demais justiceiros e seus financiadores, deveriam ser exterminados. Em entrevistas a jornais, dizia, orgulhoso, ter matado mais de 50 pessoas.

Na cerimônia de domingo, ele e os demais testemunhavam justamente sobre as chances que devem ser dadas para que as pessoas possam mudar. “Não cabe a nenhum de nós julgar o próximo, ainda que seus pecados sejam vermelhos como o escarlate, se tornarão brancos como a neve”, dizia o bispo Vladimir, da Igreja Refúgio em Cristo, que veio do Rio especialmente para a cerimônia.

Depois de 21 anos preso, considerando as três fugas ao longo dos anos 1980, Florisvaldo e outros pastores defendiam os prisioneiros e o trabalho missionário nas cadeias. “Lá dentro tem homens e mulheres de Deus. As almas deles precisam ser resgatadas.”

As trágicas histórias que viveu não foram mencionadas no culto, ao contrário do que costuma ocorrer nos testemunhos evangélicos. “Queremos esquecer o passado”, disse a mulher, Dayse. No culto estava presente ainda a missionária Alaíde Pereira, que em 1991 foi a primeira pessoa a sugerir que Florisvaldo mudasse de vida. Ela chorou ao longo de toda a cerimônia. “Ele é um filho para mim”, disse.

Depois de assinar o documento de posse, Florisvaldo fez sua primeira fala como pastor. Disse que iria saquear o inferno, tomando as almas de Satanás e as entregando para um reino de luz. O evangélico afirmou que agora vai continuar sua guerra de forma pacífica.

Fonte: Estadão

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