Quero manter a inspiração cinematográfica e falar sobre o tema de um dos filmes indicados ao Oscar 2012. A invenção de Hugo Cabret é uma história sensível sobre o resgate do valor do humano e que nos leva a reflexões que tem se tornado importantíssimas nesses dias de tão pouca tolerância e de muita pressa para emitir sentenças sem julgamentos.
O filme conta a história de um menino que faz de tudo para terminar um projeto que começou com o pai, mesmo depois do falecimento deste pai. Contra todas as desventuras e contra todos os percalços ele segue a vida com um propósito: receber a última mensagem paterna que seria expressa por um autômato, um robô movido com engrenagens de relógio.
A saga pelo conserto do autômato é só o pano de fundo para outras descobertas. O garoto que observa a multidão vai aprendendo o valor oculto em cada personagem. A menina agradável que ele espiona, torna-se uma amiga preciosa que lhe indicará caminhos a seguir. O dono da loja de brinquedos que ele furta, se revelará um mago do cinema, uma inspiração criativa e heroica. Até mesmo o inspetor que o persegue se mostrará capaz de humanidade, de gestos de compaixão.
Hugo Cabret entende que o mundo é como uma máquina, perfeita, engrenada, à qual não faltam nem sobram peças. É isso que ele diz à amiga quando ela se mostra desmotivada: não há ninguém sem propósito, não há peças extras.
Essa é uma verdade que abstraio de observar o mundo e as pessoas. Não há excesso, nem falta. Todos e tudo tem razão de ser, tem significado e podem contribuir para o funcionamento da vida e do mundo.
Infelizmente, nem todos exercitam essa visão e é na distorção que se promovem erros como o egoísmo exacerbado e o preconceito que desvaloriza o outro. As consequências do preconceito são a ferrugem da engrenagem social, o desgaste precoce de quem poderia ser útil para o crescimento de todos.
Durante muito tempo as mulheres foram vítimas de um preconceito atroz que as afugentou para os recônditos silenciosos da vida doméstica. Suas ideias não podiam aflorar, seus projetos eram ridicularizados. Quantas líderes o mundo deixou de ouvir e conhecer simplesmente por não ter-lhes dado espaço e oportunidade? Não acredito que mulheres como Margaret Thacher, Dilma Rousseff, Angela Merkel, sejam exceções. Acredito que muito se perdeu em política por preconceito.
Vivemos uma ditadura enquadrante. Se você pensa fora do formato estabelecido, será rechaçado ferozmente. Aquele que não for para a Universidade, por exemplo, enfrentará o meneio negativo de muitas cabeças. Puro preconceito! Grandes homens de nossa geração não passaram pela Universidade e não se restringiram ao conhecimento da academia. Hoje, são estudados, tornaram-se referência para aquele mesmo universo que os repudiou.
As pessoas não param para ouvir o argumento do outro e já o desconstroem. Ideias que não servem para o cidadão médio são simplesmente execradas, como se não houvesse público discrepante para quem talvez servissem. E, com isso, todos perdemos a chance de rediscutir nossas visões e avançarmos para visão mais amadurecida.
Com frequência vemos padrões que antes eram refutados tornarem-se tolerados e neste mesmo movimento podem se tornar imposição. Antes, mulheres que trabalhavam fora do lar não eram bem vistas, hoje são aquelas que se dedicam inteiramente aos filhos e aos maridos que passam por constrangimentos sociais. É o preconceito se manifestando de toda forma e sempre sem nenhuma lógica.
E na atitude de cristalizar padrões, perdemos a essência, perdemos a chance de conhecer quem é o homem escondido na humilde lojinha de brinquedos. Se o olhar não for apurado, se o interesse for apenas o de preservar nossa opinião intocável, perdemos a chance de estreitar laços, de aprofundar a percepção do outro, de viver uma vida mais rica e mais plena.
Já estive com vítimas de preconceito e sei que a exclusão castiga à alma provocando o adoecimento, o enfraquecimento. Um doente dificilmente aceita ser tocado e quando a doença é sobremaneira debilitante, até o tratamento é rejeitado.
O filme mostrou isso também. O desprezo por anos seguidos, a própria auto-estima baixa, o pavor do esquecimento fizeram o artista perder-se na amargura. Cego, o cineasta não foi capaz de enxergar o talento juvenil que se lhe apresentava através do menino órfão. O preconceito pode se multiplicar e agredido costuma reproduzir a agressão. É preciso entendimento e sabedoria para quebrar o ciclo e reverter o processo.
Além de exclusão por características físicas, econômicas ou escolhas de fé e comportamento existe um preconceito latente e generalizado. As mínimas diferenças do padrão vigente e eleito pela mídia como aceito acarretam retaliações. Pasme, se você for marido de uma só mulher, não alcoólatra, não afeito a vícios ou a excessos de qualquer espécie, não estará adequado ao formato de homem imposto pela sociedade e em algum momento será questionado por isso. O preconceituoso certamente não se dará ao trabalho de refletir na paz que você carrega e no valor que você tem para os seus.
Agora o desfecho do filme também é um preceito certo: aquele que se encoraja a desprender-se do próprio preconceito e avançar para além da estreita superfície do desconhecido pode surpreender-se com a descoberta de riquezas insondáveis, pode deparar-se com o humano e todo o seu mistério, pode abrir-se para ser iluminado pelo valor do próximo, pode descobrir o próprio propósito para estar aqui, nesta máquina perfeita.
César Augusto Machado de Sousa é Apóstolo, Escritor, Radialista. Escreve todas as terças-feiras para o DM. E-mail apostolo@fontedavida.com.br
ola gostaria de ouvir a musica me ama diante do trono e ofereço a todos vcs a minha irma no jardin m inez em aparecida