É inexplicável que tenha havido questionamentos à nova Lei de Acesso à informação, sancionada pela presidenta Dilma ainda no ano passado e que passou a vigorar este mês. Não existe argumento que se oponha ao baluarte da democracia que é o direito irrestrito a tudo o que tange a administração pública, não existe nenhuma declaração capaz de convencer a sociedade de que possa haver segredos por parte do que é de interesse público.

O passo dado pelo governo é mais um avanço que Dilma comanda, é mais um instrumento de fortalecimento da nossa democracia. Com a nova lei, o acesso à informação assume o que lhe é devido, passa a ser encarado como regra e não como exceção. Não será favor nenhum dos órgãos públicos darem transparência aos seus atos e sim obrigação, com prazo para atender qualquer reivindicação feita.

Só o que for considerado determinante para a segurança nacional, e isso de acordo com critérios rígidos e não mediante análise subjetiva, é que poderá ser sigiloso. Tal lei provoca uma reviravolta no que era prática. Antes, a cultura sempre foi esconder e diante da resistência, o cidadão se acomodava no não querer saber. Agora isso muda! Com o acesso aos “mistérios” da administração pública, o brasileiro pode tomar gosto por participar e conhecer os meandros da governança.

É claro que tudo depende da efetivação do que a letra legal determina. O passo dado pelo governo é no atendimento aos anseios do povo. Não se inventou a roda. A transparência não é coisa da modernidade no mundo. Numa fila de nações em que se tem acesso à informação estamos no nonagésimo primeiro lugar e o que ainda arranca murmúrios de oposição aqui, na Suécia é realidade prática há 246 anos. Lá, pelo que tenho lido, até as correspondências que tratam de assuntos públicos são públicas, podem ser lidas por qualquer cidadão.

Aqui, conservam-se pudores que podem e devem ser violados, por exemplo, a que diz respeito aos salários pagos aos servidores dos municípios, dos estados e do governo federal, bem como dos poderes legislativos e da justiça. É direito do contribuinte conhecer exatamente quanto paga para aqueles que têm a seu serviço. A carreira pública tem vantagens em série justamente por ser peculiar e isso a torna passível de ser amplamente transparente.

A transparência é o melhor antídoto para o ranço de uma aristocracia que se nutre da aura do cargo para se distanciar de quem lhe paga os salários. Muitos agentes públicos se protegem na garantia do sigilo até então vigente para engordarem as carteiras de regalias inapropriadas. A divulgação de tudo o que se relaciona ao cargo e à função pode inibir práticas viciadas de abuso de uso ou exercício do poder.

Mas salário não está no centro da problemática. Para ser completa, a lei precisa dar visibilidade a todos os atos dos homens públicos. É imprescindível, por exemplo, acabar com o voto secreto seja em qual casa de leis for. O eleitor é o representado no parlamento e nas Câmaras e ele tem o direito total de saber se quem elegeu o está representando devidamente. O sigilo nos votos de vereadores, deputados, senadores só serve para favorecer o corporativismo da categoria e não é em nada salutar para a democracia. Acredito que as passadas na direção da democracia plena nos conduziram para o fim desta distorção no poder.

A lei é boa, é claro, mas não é o suficiente para que a democracia no Brasil deixe a opacidade no passado. A transparência depende do lustre só adquirido com a prática. É preciso que o brasileiro se envolva no polimento, interessando-se, buscando exercer o seu direito. Será preciso provocar a mudança, assim como ainda se faz com o direito do consumidor, com a defesa das minorias, com a luta pela igualdade de gênero e racial. É necessário lutar para que a transparência seja internalizada nos atos públicos.

A lei existe e agora será preciso treinar os servidores para atenderem ao cidadão com direitos. A verdade dos números públicos não será uma conquista de jornalistas dedicados ou de gente engajada. Qualquer um de nós deverá ser tratado com a mesma atenção e respeito pelos responsáveis e gestores. Para se operacionalizar a lei, será preciso investir em condições técnicas, em tecnologia da informação, em sistemas de acesso, em procedimentos padronizados para desbloquear o caminho entre o interessado e seu objeto de interesse.

Este é um desafio para todos nós. O governo tem disponibilizado às chaves, que possamos nos dispor a destrancar os cofres e portas.

César Augusto Machado de Sousa é Apóstolo, Escritor, Radialista. Escreve todas as terças-feiras para o DM. E-mail apostolo@fontedavida.com.br

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