Por: Tallita Guimarães

Acorda. Tira leite da vaca. Ajuda a família. Almoça. Banha. Vai para a escola. A rotina do jovem de 15 anos, Nei Victor Mendonça não é tão fácil quanto parece. O garoto mora na zona rural de Jussara, a 226 quilômetros de Goiânia. A ida para a escola é um tanto turbulenta. A casa da família de Nei Victor fica em uma região acidentada, com muitas pedras. Às 11 horas, o menino já está pronto para a aula que começa às 13h30. As horas de antecedência não são referentes ao congestionamento das estradas de terra e sim à dificuldade de transporte.

Nei Victor: “Mesmo com todas as dificuldades eu não vai desistir”
Nei Victor: “Mesmo com todas as dificuldades eu não vou desistir”

Nei Victor costuma ir com o transporte oferecido pelo município de Jussara, mas por se tratar de uma casa de difícil acesso, o motorista da Kombi, veículo usado no transporte, vai até a casa de Nei de motocicleta. Na garupa da moto, o garoto vai até o ponto de partida da Kombi. A mãe do jovem, Adriana Mendonça, 37 anos, ressalta que, apesar dos problemas, o filho vai para a escola diariamente, faça chuva ou faça sol. “Fica muito complicado pra gente que mora no campo e é longe da cidade. O meu menino vai para a aula todos os dias. Quando está chovendo ele se molha todo. Sem falar da falta de segurança, né? É de fazer dó ver o menino da gente pendurado na moto”, descreve o caminho do filho. Não para por ai. Ao chegar até na Van, Nei tem mais 16 casas para passar até lotar o transporte. O jovem está cursando o 1º ano do Ensino Médio.

Com pesar, o garoto lembra que o dia a dia já melhorou. Por nove anos, Nei Victor fazia o mesmo percurso, só que de manhã. O despertador que tocava às 4 horas da manhã não era, nem de longe, amigo do garoto. “Era muito difícil quando estava fazendo o ensino fundamental. Tinha que acordar cedo demais e depois da aula só conseguia dormir. Tinha dores de cabeça quase todos os dias. Sem falar que aqui na roça faz muito frio”, diz Nei Victor. A realidade vivida pelo adolescente é recorrente para boa parte dos estudantes que moram em zonas rurais, em Goiás.

 Transporte na zona rural

O problema de transporte é um dos gargalos para a profissionalização da mão de obra no campo. De acordo com o presidente da Associação Goiana dos Municípios, Cleudes Baré, a falta de transporte adequado é um dos pontos que dificultam a educação para quem mora na zona rural. Baré afirma que o transporte é de responsabilidade municipal, no entanto, a verba é repassada pelo governo federal. Ele admite as dificuldades. “Podemos dizer que o transporte é funcional e não eficiente. Não tem qualidade, não tem conforto e não tem segurança. O veículo cumpre a função dele que é levar as crianças até a escola, mas a que condições isso é feito?”, questiona Baré.

Cleudes Baré: “Acessibilidade é um grande gargalo no campo.”
Cleudes Baré: “Acessibilidade é um grande gargalo no campo.”

Cleudes Baré reforça que alguns estudantes se submetem às mais variadas situações para chegarem ao ponto de partida do transporte. “Tem gente que vai de moto, outros contam com a boa vontade de algum vizinho que tem carro e pode dar uma carona. Porque o micro ônibus que é destinado à isso não tem estrutura para pegar estradas tortuosas e regiões acidentadas. As vans tombam com facilidade”, alega Baré.

E ainda complementa: “Como o repasse da verba é pequeno, o que é hábito entre os prefeitos é alongar as linhas, assim, são menos ônibus por um percurso maior. No entanto, quem perde é o aluno”.

O cenário nacional não é diferente. Segundo a pesquisa Observatório das Desproteções Sociais no Campo, da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), com dados do Ministério da Educação (ME), existem 75.678 escolas rurais no Brasil. De acordo com o levantamento, a estrutura das escolas é preocupante, 88,5% delas não têm biblioteca. Se analisado o aparato tecnológico, a situação é ainda pior: 51,1% não possuem aparelho de vídeo ou televisão e 61,3% não tem computador. Por incrível que pareça, as escolas falham também em questões indispensáveis à sobrevivência. O que era para ser uma obrigação, em alguns colégios é luxo. Do número total das escolas rurais brasileiras, 18,1% não oferecem água tratada aos alunos; 14,7% não têm esgoto e 13,7% funcionam sem eletricidade.

O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg), José Mário Schreiner, afirma que em Goiás o problema é recorrente. Segundo ele, as escolas não contam com bibliotecas adequadas, nem com aparelho de TV e energia elétrica. Para o presidente da Faeg, em muitos dos casos, “a saúde e a educação no campo vão até onde vai o asfalto”, reitera Schreiner. Além da falta estrutural, o presidente aponta o problema com o transporte. Segundo ele, os alunos acordam muito cedo e acabam não aproveitando a aula como deveriam, o que traz uma preocupação grande, uma vez que a educação no meio rural é fundamental para os avanços no campo.

José Mário Schreiner: “A saúde e a educação no campo vão até onde vai o asfalto”
José Mário Schreiner: “A saúde e a educação no campo vão até onde vai o asfalto”

A situação de difícil acesso ao transporte é recorrente em outras partes de Goiás. Segundo a sub-secretária de educação de Campos Belos, Maria Suely, (607 km da capital) o grande desafio que a educação encontra nas zonas rurais é o transporte. Ela diz que no período chuvoso o problema é ainda mais crítico, uma vez que as casas são muito afastadas e o trajeto vira barro e lama. “A Kombi não chega até os alunos. Então, em muitos casos, eles ficam quase uma semana sem estudar”, descreve a sub-secretária. Ela lembra ainda que a condição da estrada é uma dificuldade. “As máquinas abrem as estradas. Nós acreditamos que vai melhorando aos pouquinhos o acesso à educação”, diz ela.

Por sua vez, o motorista da Kombi de Nei, José Milton Pereira, de 48 anos, reconhece que não é fácil a tarefa que ele tem diariamente. “Não é fácil chegar até algumas casas. Tem vez que a Kombi quase tomba. Mas fazer o quê, né? A gente se vira como pode. Como a casa do Nei é caminho da minha, passo lá e pego ele de moto, mas se não fosse assim, nem sei”, afirma o motorista. Perguntado se ele pensa em desistir do ofício, José Milton responde: “De jeito nenhum! Gosto demais desses meninos! Me divirto com eles”, afirma alegre.

Saúde

O transporte no campo, que é de pouca qualidade, não é um agravante somente para quem quer estudar. A dificuldade de acessibilidade repercute também na saúde. Adriana Mendonça, mãe de Nei, diz que para chegar até os hospitais na cidade de Jussara é uma “peleja”. Ela conta que “se alguém precisar de um médico, tem que pedir pro vizinho dar uma carona até o ponto, para pegar um ônibus e aí chegar na cidade”. Segundo Adriana, a sorte do enfermo é que os vizinhos são cooperativos e compreensivos. “Ninguém deixa a gente na mão. Somos uma família na roça”, diz Adriana.

A falta de transporte eficiente na zona rural é problema que se repete também na cidade de Monte Alegre de Goiás, distante 575 km de Goiânia. O vice-prefeito do município, Manoel de Edeutrudes Moreira, alega que a maior carência no campo é a acessibilidade. Segundo ele, as casas são muito distantes das escolas e unidades de saúde e até chegar nelas é bastante cansativo. “É um aglomerado de problemas. Os veículos são ruins e as estradas de difícil acesso. Ou seja, a pessoa fica desestimulada para enfrentar uma travessia dessas”, explica Manoel.

Superação

Mesmo com as dificuldades de acessibilidade, Nei Victor não desiste de estudar. Para o garoto de apenas 15 anos, é inadmissível abandonar os livros e os cadernos. Nei quer ser engenheiro eletricista e, mesmo gostando do campo, não sabe se vai continuar morando na zona rural. “Eu nunca desisti de estudar. Acho que somos uma pessoa melhor quando temos educação. Meus pais não tiveram educação. Quero me formar engenheiro”, sonha. Emocionado o garoto projeta com o estudo dar “um futuro melhor e dar condições melhores aos filhos”.

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