Em entrevista exclusiva ao ‘Estado’, José Genoino diz que não prejudicará companheiros para se defender

Cearense de Quixeramobim, Genoino entrou aos 22 anos no PC do B e participou da Guerrilha do Araguaia. Ficou preso entre 1972 e 1977, foi um dos fundadores do PT e cumpriu seis mandatos como deputado federal do partido, do qual se tornou presidente. Deixou o comando do PT em 2005, no início da crise do mensalão. Foi assessor especial do Ministério da Defesa. É suplente de deputado e tem 66 anos.

Cercado por livros no pequeno escritório, instalado no quarto dos fundos de sua casa, o ex-presidente do PT José Genoino diz que lutará “todos os dias, semanas, meses e horas” para provar sua inocência no processo do mensalão. Na primeira entrevista exclusiva concedida desde que foi condenado por corrupção ativa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Genoino afirma, porém, que sua estratégia de defesa não aponta o dedo para companheiros. “Nunca entreguei ninguém na minha vida. Nem no pau de arara. Muito menos num processo que virou um grande espetáculo midiático”, argumenta.

Acompanhado de seu advogado, Luiz Fernando Pacheco, o ex-presidente do PT recebeu o Estado em sua casa, no Butantã, na sexta-feira. Em quase duas horas de entrevista, fumou dez cigarros, ficou com a voz embargada em alguns momentos e citou passagens do livro Memórias de um Revolucionário, com páginas marcadas em papel amarelo nas quais escreve palavras como “Verdade”, “Coragem” e “Totalitarismo”.

Ex-guerrilheiro do Araguaia e deputado federal por 24 anos, até 2010, Genoino carrega um terço nas mãos para diminuir a tensão. “Quem tem a consciência do inocente não se curva, não se dobra”, diz. Para ele, as crises na seara política não serão resolvidas pelo Judiciário. “A Justiça trabalha, muitas vezes, com o retrovisor. A política trabalha com o para-brisa.”

O sr. foi condenado por corrupção ativa pelo STF, acusado de participar de esquema para desviar recursos públicos e comprar apoio político no governo Lula. Disse que a Corte errou, mas que interesse o STF teria em condená-lo sem provas?

Foi uma condenação injusta porque se baseou na tirania da hipótese pré-estabelecida. Eu era presidente do PT e participava de todas as reuniões políticas do PT e com partidos da base aliada. Essa minha função de presidente do PT é que me levou a essa injustiça monumental. Eu não cuidava das finanças do partido e a minha relação com a política é pública e transparente. Dizer que eu participei de corrupção ativa é uma grande injustiça. Em juízo, o tesoureiro informal do PTB, Emerson Palmieri, disse que nunca participou de reunião envolvendo dinheiro. Vadão Gomes disse que ouviu falar, mas em juízo não confirmou. E o Roberto Jefferson, dependendo do dia e do local, afirmava uma coisa ou outra. No meu modo de entender é a ideia de verossimilhança. Usam-se deduções. Era possível ou impossível? O julgamento penal precisa se basear em provas concretas.

O relator do processo, Joaquim Barbosa, votou por sua condenação no crime de formação de quadrilha, mas o revisor, Ricardo Lewandowski, o absolveu e ainda não há conclusão. Para Barbosa, o sr. era “interlocutor político do grupo criminoso” comandado pelo então chefe da Casa Civil José Dirceu. Como o sr. responde a essa acusação?

Chamar o PT e os militantes do PT de quadrilha é algo muito grave, na minha avaliação. Era minha tarefa defender o governo Lula, a relação com os movimentos sociais e a unidade da bancada num momento difícil. Que associação ilícita? É um absurdo falar isso. A minha associação foi em 1968 com o movimento estudantil. Na guerrilha, no PC do B, cinco anos preso, na fundação do PT, deputado, constituinte, 24 anos de mandato. Sempre defendi, inclusive quando estava na oposição, que a política se baseia em disputa e negociação. Muitas vezes fui posição minoritária no PT. Nunca tratei de dinheiro, de pagamento, de qualquer atividade criminosa. Participei de negociações políticas. Misturar negociações políticas, articulações e alianças com crime significa criminalizar a política. Eu não aceito essa acusação de ter integrado quadrilha. O PT não é um partido de quadrilheiro, de mensaleiro. Isso é uma afronta à nossa história. O PT precisava fazer aliança ao centro para ganhar a eleição e para governar.

Na política, os fins justificam os meios?

Os métodos que construímos, a vitória do Lula e a sustentação do governo foram democráticos, transparentes e de negociação. Não tem essa de que os fins justificam os meios. Se queremos construir uma coisa grandiosa, temos de ter atitudes e meios grandiosos.

O sr. afirma que os empréstimos feitos ao PT pelo Banco Rural e pelo BMG existiram, mas tanto o STF como a Justiça Federal em Minas sustentam que essas operações eram fictícias. O sr. assinava os papéis sem ler?

Esses empréstimos se constituem, na minha modesta compreensão jurídica, em atos jurídicos perfeitos. A minha função na presidência do PT era política e cada secretaria tinha a sua responsabilidade. Eu assinava os empréstimos porque eram legais, necessários e foram apresentados a mim pelo tesoureiro (Delúbio Soares), que era o secretário de Finanças. Os dois empréstimos foram feitos porque o PT precisava resolver problemas financeiros imediatos. Eu os avalizei na condição de presidente do PT, sem nunca ter feito qualquer conversa ou negociação com os bancos, até porque nunca estive nesses bancos. Registrei os empréstimos na prestação de contas do PT, que está no Tribunal Superior Eleitoral, de 2004, 2005 e 2006. Quando eu deixei de ser presidente do PT, os empréstimos foram cobrados judicialmente. Eu não tinha bens. Minha conta foi bloqueada e só foi aberta porque era conta salário. Eu procurei o deputado Ricardo Berzoini, que era presidente do PT, e disse que os dois empréstimos estavam na prestação de contas do partido. Ele iniciou, então, uma negociação com os dois bancos. O PT começou a pagar os empréstimos em 2007 e terminou em 2011. Os empréstimos não são falsos nem fictícios. Pagamos com renovações e com documentos assinados pelos advogados dos bancos e chancelados pelo Judiciário.

Mas a Justiça de Minas o condenou por falsidade ideológica no caso do BMG…

Eu peço licença para mostrar a perseguição. Fui diplomado no dia 18 de dezembro de 2006. No dia anterior, às 18h30, o Ministério Público entrou na 4.ª Vara da Justiça Federal para apresentar a denúncia. O juiz a recebeu em 20 minutos. Alguns ministros do Supremo até comentaram essa rapidez. Quando eu virei deputado, o processo foi para o STF. Entramos com habeas corpus para que o STF reexaminasse o recebimento da denúncia (porque, segundo Genoino, havia sido feito em tempo recorde e no último dia da inexistência do foro por prerrogativa de função). Quem desempatou o pedido de habeas corpus foi a então presidente do STF, Ellen Gracie, porque se tratava de matéria constitucional. Essa ação ficou no STF em 2007, 2008, 2009 e 2010. No início de 2011, eu deixei de ser deputado e a ação foi para a 4.ª Vara. Ficou um ano e meio lá. Numa decisão monocrática, a juíza soltou a sentença e mandou um ofício para o relator da Ação Penal 470 (Joaquim Barbosa). É muita coincidência e a maneira como se deu o processo é prova de perseguição política. Não é por acaso. É com o objetivo de me atingir. Eu não sou ingênuo. Vou recorrer.

Os ministros do STF alegam que os empréstimos eram renovados sucessivamente e que o PT não tinha lastro para pagar isso.

O PT tinha lastro.

E por que não quitava nada?

O orçamento anual do PT era de R$ 40 milhões por ano. O partido estava numa situação de insolvência, com muitos diretórios solicitando verba para resolver o básico – de passagem aérea a reuniões – e havia previsão de aumentar o orçamento com a contribuição dos parlamentares.

O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, também condenado por corrupção, era o presidente de fato do PT quando o sr. comandava o partido?

Eu não faço comentário sobre companheiros do processo. Conheço o Zé Dirceu desde 1968, fiz muitas disputas com ele no movimento estudantil, no PT e no Parlamento.

Ele mandava e o sr. executava?

O PT é um partido de militância, os dirigentes são eleitos, se expõem e não escondem a cara. Ele era ministro da Casa Civil e eu era presidente do PT.

Logo que o PT chegou ao poder o sr. disse, em entrevista ao Estado, que pelo então presidente Lula fazia tudo e nunca negaria um pedido dele. Foi isso o que aconteceu, de 2003 a 2005?

Eu tenho uma relação excepcional com Lula e grande respeito com um dos maiores políticos que eu convivi e que conheço. Estabeleci uma relação com ele de muita admiração. Não é algo pessoal. É uma causa. É um objetivo. Esse projeto que está mudando o Brasil incomoda e revolta setores preconceituosos, conservadores, que não aceitam a vitória de 2006, com Lula, e de 2010, com a eleição da presidenta Dilma. Eu disse, naquela entrevista, que o ataque era pelo êxito das mudanças que o governo Lula estava fazendo no Brasil. Não foram fáceis. Eu cheguei a ser vaiado em reuniões do PT, cheguei a ser criticado na bancada. Em Porto Alegre, quando o Lula decidiu ir para o Fórum de Davos, eu recebi um bolo na cara como protesto. Eu sempre botei a cara naquilo em que acredito. Eu acredito muito no PT, no Lula, na Dilma e no que nós estamos fazendo. A minha geração é vitoriosa, apesar das adversidades. Nunca fiz emenda no orçamento e era criticado por isso. Nunca fiz uma indicação para qualquer cargo em governo. Sempre fui um lutador de ideais e de causas.

Se o PMDB tivesse entrado no governo Lula, logo no início da administração, teria ocorrido esse varejo partidário em busca de apoio parlamentar?

O PT aprendeu que sem aliança não ganharia a eleição e não governaria. Eu sempre fui um defensor das alianças ao centro, mesmo quando era minoria. Sempre defendi a aliança com o PMDB. Não houve crime de compra de votos nem compra de deputados.

O que houve, então?

É da natureza do Parlamento fazer acordos eleitorais, alianças, inclusive com a oposição. Essa criminalização da política é um caminho às avessas para enfraquecer os poderes.

Mas teve dinheiro no meio desses acordos. O sr. acha plausível a tese de que tudo era caixa 2?

Eu participei de acordos eleitorais e políticos e nunca discuti dinheiro nem financiamento de campanhas e muito menos cargos com os partidos. Eu não cuidava disso. As alianças foram para aprovar o Bolsa Família, o pré-sal, o PAC, as leis que melhoraram o quadro institucional do País.

Tudo era responsabilidade do tesoureiro do PT, Delúbio Soares?

Eu não falo de nenhum companheiro do processo.

Nas reformas tributária e da Previdência houve denúncias de coincidência de votações com pagamentos de parlamentares…

Eu acompanhei as polêmicas da reforma da Previdência, porque tinha deputado do PT contra, deputado da oposição favorável. Teve polêmica, disputa, briga. Fiz reuniões terríveis com o movimento sindical dos servidores públicos. Dizer que houve esse tipo de coisa na reforma da Previdência é desconhecer como o Congresso funciona. A mesma coisa na reforma tributária, que foi feita de maneira fatiada. Eu negociava com a bancada do PT e dizia: “Vocês votem a favor e digam que são contra”. Foi duro o que eu passei.

Houve deslumbramento com o poder por parte de petistas?

Não. Eu acho que o PT assumiu a Presidência numa situação muito delicada, que era governar com o País correndo o risco de quebrar. Nunca esqueço que Lula disse para nós que não ia deixar o Brasil quebrar na mesa dele. E que iria tomar medidas duras, mas necessárias, para que o País voltasse a crescer. Isso deu certo. Houve divergência dentro do PT. Fizemos um trabalho político legítimo, que deu ao Lula as condições para o êxito do seu governo, da sua reeleição. É o projeto que mudou o Brasil, de diminuição da desigualdade social, de defesa da soberania, de geração de empregos, de recuperação do papel do Estado para garantir os investimentos.

Fonte:Estadão

Deixe seu Comentário

All fields marked with an asterisk (*) are required