Levantamento do iG mostra que maioria dos cotistas aprovados com notas parecidas às da concorrência geral é egresso de escola pública. Grupos com critério racial têm notas piores

O critério racial interfere mais nas diferenças de desempenho entre cotistas e não cotistas aprovados para vagas em universidades federais no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) do que qualquer outro critério, como a renda do candidato, por exemplo. As notas de corte – pontuações dos últimos alunos selecionados por curso em cada modalidade – mais discrepantes em relação à concorrência geral são as dos aprovados pelas cotas raciais, enquanto os candidatos oriundos de escolas públicas, independentemente de renda ou raça, têm notas mais parecidas com os que não são cotistas.

O levantamento feito pelo iG a partir de dados exclusivos solicitados ao Ministério da Educação (MEC) considerou as notas de corte dos aprovados nos cursos que já oferecem 50% de suas vagas no processo seletivo em todos os modelos possíveis de cotas, o que totaliza 1.229 cursos. Essa amostragem antecipa a disputa pelas vagas em 2016, prazo máximo para que todas as universidades e os institutos federais atinjam o percentual de reserva garantido pela lei das cotas .

Como era previsto por especialistas, as notas dos últimos aprovados para as vagas que não foram disputadas por cotistas são mais altas na maioria dos casos. Essa diferença só é  insignificante, ou seja, de menos de 10 pontos a mais tanto para cotistas quanto não cotistas,  em 553 opções de cursos (11,54%) do total analisado pelo iG . Desse grupo, 67% são de estudantes de escola pública que não optaram pelas cotas raciais ou de renda.

A análise considerou as 4.793 notas de corte geradas a partir dos oito modelos de cotas dadas pelas universidades aos candidatos de escola pública no Sisu. São eles: candidatos pretos, pardos ou indígenas com renda familiar inferior a 1,5 salário mínimo per capita (algumas instituições dividiram essa categoria em duas, separando os indígenas); candidatos pretos, pardos ou indígenas independentemente da renda (essa categoria também foi transformada em duas por algumas instituições, separando os indígenas); candidatos com renda familiar inferior a 1,5 salário mínimo per capita e candidatos com renda superior a essa.

A nota no Sisu é calculada a partir do desempenho do estudante no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), cuja escala varia de 0 a 1000. Na última edição, as notas mínimas e máximas tiradas pelos estudantes em cada prova (não há média geral) variaram entre 277,2 pontos em matemática e 955,2 na mesma prova. Alguns alunos alcançaram nota 1 mil na redação. A nota de corte é a menor pontuação exigida para aprovação em cada opção de curso, de acordo com os alunos concorrentes pelas vagas.

Mais extremos nos recortes raciais

Entre os cotistas que ficaram com notas de até 10 pontos de diferença com não cotistas, os egressos de escolas públicas e de baixa renda só se deram melhor que os que concorrem fora das cotas em 25 cursos. Das 136 opções que aparecem nessa faixa de diferença, há 11 notas de corte de candidatos pretos, pardos ou indígenas com renda superior a 1,5 salário mínimo e apenas quatro de estudantes no mesmo recorte racial e pobres.

Por outro lado, quando se compara as situações em que as notas dos não cotistas são mais altas, os grupos raciais têm diferenças mais acentuadas. Na disputa entre pretos, pardos ou indígenas de baixa renda, há 18 registros de diferenças acima de 90 pontos (sendo 15 acima de 100). No caso do mesmo recorte racial, porém sem limite de renda, há 19 notas com diferenças acima de 90 pontos.

Na seleção exclusiva para estudantes de baixa renda, o número de casos extremos cai para quatro e não houve nenhuma diferença assim na cota destinada aos estudantes de escola pública, independentemente da renda ou raça. Esses dois grupos também possuem o maior número de cursos que, apesar de notas mais baixas em relação aos não cotistas, se mantiveram próximos.

Com menos de 10 pontos de diferença, foram registrados 275 opções de cursos – dos 417 possíveis – para os estudantes da rede pública que não se enquadravam no critério de renda e 86 estudantes de baixa renda.

Diferença ainda maior entre indígenas

Dentro dos vários grupos de cota racial do Sisu, os modelos exclusivos para indígenas,  independentemente da renda, são os que mais têm discrepâncias de notas mínimas dos aprovados entre cotistas e não cotistas. Há 23 notas de corte com diferenças acima de 90 pontos em relação aos demais concorrentes nesse recorte, feito apenas pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e pelos institutos federais de educação do Paraná e do Amapá. Nesses cursos, apenas uma vaga foi oferecida aos cotistas.

O pró-reitor de Graduação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Eduardo Magrone, explica que, sem esse resultado, as cotas seriam “inúteis”. “Se não houvesse diferença alguma nas notas para seleção, as cotas não se justificariam, seriam políticas inúteis”, avalia. Pela primeira vez, a UFJF colocou 70% de suas vagas do campus de Juiz de Fora no Sisu e com o percentual de 50% de cotas.

iG não calculou médias ou comparou notas entre cursos nesse levantamento porque a metodologia do Sisu não permite esse tipo de avaliação. Apesar de todos os candidatos serem selecionados de acordo com o desempenho obtido no Enem, cada instituição tem a liberdade de
dar pesos diferentes a cada prova feita pelo aluno.

Mauro Rabelo, decano de Ensino de Graduação da Universidade de Brasília (UnB) lembra que, no início das cotas adotadas pela instituição há quase 10 anos, havia diferenças grandes entre as notas dos candidatos. Porém, elas desapareciam ao longo do curso. Fenômeno parecido foi identificado também por Magrone com a experiência da UFJF.

“O que os estudos nos mostram é que esses alunos se esforçam para acompanhar o ritmo das aulas. Ter um ponto de corte garante a seleção de um candidato com proficiência mínima, mas isso não pode ser fator de exclusão completa para os cotistas, senão as cotas não cumprem o
seu papel. O importante é dar suporte a esses alunos para que superem as dificuldades”, afirma. Ele acredita que os indígenas são os que mais precisam de apoio.

Distribuição das notas de corte dos cotistas

As diferenças entre as notas de corte dos cotistas e não cotistas variam dependendo do critério de seleção. Abaixo, é possível perceber as variações. A linha horizontal representa os intervalos da pontuação (de 10 em 10 pontos)

Fonte:Ultimo Segundo

 

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