Destaque na programação da Rede Globo, a minissérie Brado Retumbante parece ter sido escrita, dirigida e gravada com muito esmero e boas intenções. É bonito falar de ética na política quando o caminho mais fácil é vender a desesperança. A produção parece ter esse propósito, o de demonstrar que existe um outro lado, o lado dos cidadãos com projeto e ideais, uma lado que encontra ressonância na realidade de parlamentares dignos que não entram no jogo sujo da corrupção.

 Só que qualquer olhar mais sensível vai perceber um grande entrave para o alcance do objetivo. A minissérie, apesar de até poder ter sido bem intencionada, comete um erro colossal, tão grave que a transforma numa fantasia irreal e enganadora, a transforma numa mentira retumbante que pode enredar o eleitor e confundir os menos atentos.

 O presidente que é coroado como um emblema de ética na vida pública segue uma vida dúbia. No que tange sua vivência familiar, seu relacionamento conjugal, o defensor da política idônea é um canalha.

 A minissérie promove como verdade um mito de que é possível separar a vida privada da pública. A minissérie vende aos brasileiros que é possível dissociar padrões de comportamento, como se o adultero tivesse uma chave de controle que, uma vez alterada, pudesse transferir-lhe valores de honra e fidelidade para com a nação.

 Tenho escrito sobre isso há algum tempo nesta coluna e enxergo na exibição da produção mais uma oportunidade de enfatizar um preceito: político honesto se avalia olhando o currículo, a trajetória na vida pública e também e principalmente para a vida pessoal.

 A sabedoria bíblica é taxativa: não se obtém mal e bem da mesma fonte. Imagine um homem que trai a esposa, que se divide entre muitas amantes, que é incapaz de amar uma só mulher. Tal homem não é integro, é multifacetado, egoísta. Tal homem tem uma visão distorcida do valor de seus interesses e obrigações, não persiste e não persevera, desistindo de um caminho em detrimento de uma novidade. Tal homem  não será jamais íntegro com a nação ou mesmo com seus ideais. Não ser fiel ao cônjuge não é questão de modismo ou liberalidade, não é modernismo, é fraqueza de caráter e o caráter se manifesta da mesma forma em qualquer abrangência.

 Um político que não guarda como tesouro a sua família, que não zela pela ordem e pela saúde emocional dos seus íntimos, certamente não terá preocupação com a família de ninguém, nem fará qualquer esforço para que a célula essencial da sociedade seja valorizada. E o desprezo pela família, na vida real, tem sido a chaga aberta de onde brota tanta violência, desrespeito às leis e às autoridades, promiscuidade e desordem social.

 Nenhum político que olhe com desdém para os valores que mantém famílias unidas reúne qualidades para guiar uma nação. Não há como separar a vida privada da pública, repito, porque não existe ética compartimentada.

 Infelizmente, ao ser exibida com tanta promoção, a minissérie passa uma mensagem falaciosa de que devemos ser tolerantes com os vacilos e escorregões dos que se propõem seguir a carreira política simplesmente porque ninguém é perfeito e todos erramos. Sim é verdade, mas o ponto não é a falibilidade humana e sim o comprometimento da credibilidade do postulante ao cargo. Nenhum empresário contrataria uma conhecido gatuno para gerenciar seu caixa, nenhum pai admitiria um pedófilo assumido dando aulas para seu filho. Não podemos achar que é justo e certo  confiar o voto a  quem tem por hábito mentir e fraudar os compromissos assumidos, mesmo os conjugais.

 A democracia brasileira ainda é imatura. Estamos há poucos anos no exercício político e é preciso reaprender a refletir sobre nossas escolhas. À mídia cabe muita responsabilidade no sentido de ser uma ferramenta de instrução e formação de opinião e vontade. As reflexões, mesmo as revestidas de discurso artístico e ficcional precisam tanger a pauta do bom senso e prestar um serviço. Nos EUA, por exemplo, a imagem de como os políticos levam suas vidas pessoais é fator condicionante para a postulação a qualquer cargo público. Bons nomes, capacitados tecnicamente, com carisma e apelo, já foram rejeitados simplesmente porque na intimidade não se confirmam, simplesmente porque o americano chegou à conclusão de que o caráter é indivisível. Nós também precisamos trilhar esse caminho e estarmos atentos. Só o voto acertado naqueles que são notavelmente fiéis, honestos e confiáveis poderá alçar a integridade ao posto de inegociável, qualidade indispensável aos que querem servir ao país. E é apenas nesta trilha que nos tornaremos um país sério e respeitado.

 César Augusto Machado de Sousa é Apóstolo, Escritor, Radialista, e Presidente da Igreja Apostólica Fonte da Vida. Escreve todas as terças-feiras para o DM. E-mail apostolo@fontedavida.com.br

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