“Sou prisioneiro de Cristo”. Anos atrás essa expressão (originalmente dita pela apóstolo Paulo) impactou milhares de pessoas que a viram ser parafraseada em uma carta escrita pelo missionário brasileiro José Dilson, que passou 5 meses preso injustamente, em 2014, no Senegal e agora terá esta emocionante história contada em um novo filme.

José Dilson desenvolveu com sua esposa, Marli, um trabalho de grande relevância entre os talibes – garotos explorados por líderes muçulmanos, que os fazem pedir dinheiro nas ruas do Senegal. O missionário resgatava os meninos, lhes dando acesso à educação e um lar. Porém sua atividade suscitou a ira desses líderes islâmicos, que fizeram acusações falsas contra ele, levando assim à prisão do pastor.

Nem mesmo as condições degradantes da prisão e a intolerância religiosa dos próprios detentos na cela foram suficientes para desanimar José Dilson. Ele transformando aquele pequeno e apertado espaço em um local de culto, pregando o evangelho para todos os que estavam presos com ele.

Falando com exclusividade ao Guiame, o premiado cineasta e filho do missionário, que está encarregado desta produção, Jonatas da Silva explicou como surgiu a ideia de fazer o filme.

Premiado em festivais internacionais, como Rome Independent Prisma Award 2019 (Itália), Hola Mexico Film Festival – Tomorrow’s Filmmakers Today Shorts (México), Houston WorldFest 2016 Grand Remi Awards (EUA) e formado cinema e produção de TV pelas universidades do Sul da California – Los Angeles (USC); Regent University – Virginia Beach (VA) e University of the Nations – Kona (HI) Jonatas também comentou o uso do cinema internacional como ferramenta eficiente para abordar questões relevantes de direitos humanos em todo o mundo.

Confira abaixo a entrevista na íntegra:

Portal Guiame: Você é um cineasta premiado, trabalhando em produções que – entre outras temas – contam a dura realidade de pessoas que têm seus direitos violados no Senegal (como o “Runaways”) e agora pretende retratar o impactante testemunho do missionário José Dilson. Como surgiu a ideia dessa nova produção?

Jonatas da Silva: A ideia desse filme é o que me incentivou a ir mais além na minha carreira. Passei quase dez anos estudando, primeiro fazendo o bacharelado e depois o mestrado em direção e produção de cinema. Isso tudo porque meu sonho não é só fazer filme, mas sim produzir filmes que tenham um alto alcance ao redor do mundo, e em várias culturas.

No começo queria abordar a vida missionária do meu pai em Guiné Bissau e o quanto ele contribuiu com o trabalho de educação e nutrição em um dos países mais pobres do mundo. Depois dele ser preso por 5 meses no Senegal, por tirar crianças / talibes das ruas e lhes dar um lar e educação, o filme tomou um novo rumo.

Acredito que Deus tem aberto portas nesses últimos anos me preparando especificamente para este filme. Acredito que cada projeto, cada empresa, cada curta metragem que tenho feito tem me ajudado a crescer como um cineasta. E meu alvo é dar vida a esta história da melhor forma possível.

Jonatas (de boné vermelho) dá instruções a jovens atores senegaleses durante filmagens de “Runaways”, que retrata a realidade de meninos, como aqueles resgatados pelo projeto de seu pai. (Foto: Arquivo Pessoal)

Guiame: A história da prisão do missionário José Dilson foi contada no livro autobiográfico “O Prisioneiro”. Este novo filme terá de alguma forma uma inspiração na obra?

Jonatas: Com certeza. Estarei me baseando neste livro, e muitos terão oportunidade de ver como realmente tudo aconteceu. Mas de certa forma, o filme irá além do livro, porque faço parte dessa história também. Vivenciei muitos momentos de tribulação junto com meus pais. Cresci vendo e participando do trabalho missionário que estava sendo realizado. Conheci os meninos, trabalhei com eles, e passei tempo no Senegal, também na época da prisão do meu pai. Então, vou poder usar todos esses detalhes que não estão no livro.

Planejo contar um pouco mais da história dos meninos talibes, como eles viviam e o que estava acontecendo com os meninos do projeto durante o tempo do meu pai na prisão. Acho que as duas histórias se misturam e se completam muito bem. Houve momentos e situações incríveis que não foram possíveis descrever no livro. Um exemplo desses momentos inclui o menino cujo pai fez a acusação que culminou na prisão.

Desejo mostrar como ele [menino] foi perseguido e ameaçado de morte por seu próprio pai, por causa da sua fé, e como durante uma festividade pública, viu minha mãe e foi correndo abraçá-la. Minha mãe ficou chocada, pois meu pai ainda estava na prisão, os policiais estavam procurando pelo menino, e os líderes mulçumanos ainda estavam tentando achar provas para aumentar a acusação. Esse momento foi bem tenso e forte para a minha mãe, pois neste local público estava cheio de policiais. Então, creio que momentos assim podem dar uma nova perspectiva e emoção na história.

Guiame: Como você acredita que esse filme pode impactar o trabalho missionário transcultural? E as organizações de defesa dos direitos humanos?

Jonatas: Espero que esse filme abra as portas para que o mundo veja o sofrimento desses meninos talibes. O sofrimento e a dor deles são enormes. São arrancados das suas famílias, alguns são algemados, espancados (em alguns casos até a morte), queimados com brasas de fogo, muitos abusados sexualmente. Vivem num sistema de escravidão, física e mental, privados de estudar e de sonhar com um futuro. Suas infâncias são completamente roubadas. O número oficial aceito pelo governo Senegalês é de cem mil crianças que vivem nas ruas, mas o número real é muito maior. Crianças que em pleno século XXI vivem em um contexto de marginalização e escravidão. Meu desejo é que elas não sejam esquecidas e que esse filme dê uma voz também à injustiça que está acontecendo no Senegal com essas crianças. Foi por isso que meu pai foi para a prisão. Ele estava lutando contra esse sistema.

Espero que o filme faça com que organizações que trabalham em defesa dos direitos humanos acordem. Talvez o que é preciso é que um número alto de pessoas force o governo a combater essa injustiça. Espero que esse filme os incentive.

Bastidores do filme “Runaways”, com jovens do Senegal. (Foto: Arquivo Pessoal)

Guiame: O filme “Runaways” fala ainda mais especificamente sobre a dura realidade dos talibes (garotos de rua no Senegal). Qual a previsão de lançamento da produção e em quais plataformas?

Jonatas: Ainda estou editando “Runaways”, esse curta metragem sobre a vida do Mamadou, um dos talibes que passou pelo projeto do meu pai. Normalmente filmes passam um ano nos festivais de cinema ao redor do mundo, e depois são lançados na internet, ou por uma distribuidora ou em um canal do Youtube ou do Vimeo.

A longa metragem sobre o meu pai, provavelmente não estará disponível por alguns anos ainda. Mas, se Deus quiser espero começar a filmar em 2021. Quem sabe final de 2021 já esteja nos cinemas.

Muita gente me pergunta por que tem demorado tanto pra fazer esse filme sobre o meu pai. A razão é que esperei ter a formação necessária para poder lançar um produto profissional. Acredito que agora seja o melhor tempo pra começar essa produção porque tenho o apoio necessário e a técnica precisa pra fazer um filme com qualidade de cinema. Hoje tenho mentores em Hollywood que já ganharam óscares e que estão me dando dicas no roteiro e me ajudando com o processo. Fiz minha formação na melhor universidade de filme dos Estados Unidos, a USC (University of Southern Califórnia). Passei tempo trabalhando para grandes produtores e aprendendo com diretores o que tem potencial para dar certo e o que pode não dar certo na tela grande. Não estou fazendo na corrida e não vou fazer de qualquer maneira. Tudo tem o seu tempo.

Guiame: Que mensagem você pode deixar para os cineastas e produtoras de cinema com relação a se debruçar sobre temas como estes aos quais você está se dedicando atualmente (Questões humanitárias em países africanos)?.

Jonatas: O cinema é uma ferramenta tremenda que temos à nossa disposição para dar voz aos que não tem voz e para combater injustiças que acontecem ao redor do mundo. Creio que existe um pensamento que filmes com temas humanitários não são interessantes, não tem como comercializar (lançar no cinema), e não atraem financiadores. Isso é porque muitos desses filmes são feitos de qualquer maneira, com pouco financiamento, e por pessoas inexperientes – principalmente filmes cristãos que tem a reputação de serem de muita baixa qualidade. Precisamos mudar isso.

Uma pessoa que quer ser médico, só porque Deus o chamou para fazer isso, não vai de cara se lançar a fazer uma cirurgia de coração. Ele toma tempo para estudar, aprender, e ter o treinamento e especialização necessária para que sua cirurgia seja um sucesso. Deus vai lhe dar oportunidade de usar tudo que ele aprendeu no momento certo. Da mesma forma, quero incentivar os cineastas cristãos que tomem tempo se preparando, se formando, e planejando os seus projetos com um alto nível de profissionalismo. Só assim poderemos mudar o atual pensamento sobre os filmes cristãos. Olhe o filme “A Paixão de Cristo”, 10 anos depois e ainda continua sendo um dos filmes com o maior box office. Isso porque Mel Gibson fez esse filme como se fosse um Blockbuster de Hollywood, com o financiamento necessário e certo para o nível que ele queria atingir, e esperou ter a experiência certa para faze-lo. E é lógico, que como cristãos precisamos regar todo o nosso trabalho com muita oração e busca da sabedoria do alto, pois sem ela nosso trabalho sera vazio e sem sentido.

 

Captura de tela de cena do filme “Runaways”, que será lançado por Jonatas em breve. (Imagem: Arquivo Pessoal)

Guiame: Em quais outros projetos você tem trabalhado atualmente? Quais suas expectativas sobre essas produções?

Jonatas: Meu alvo agora é levantar financiadores para esse longa metragem sobre a história do meu pai. Espero que todos os meus trabalhos até o momento possam trazer credibilidade na área da direção, edição, e produção, e que financiadores em potencial possam ter segurança e confiança que esse filme vai ser um sucesso e que muitos desejarão ir aos cinemas para vê-lo. Cada projeto me ajuda a construir um patamar para me dar credibilidade com financiadores. Aqui segue um pouco sobre meus trabalhos:

“Life on a String”, um dos meus projetos como diretor mais recentes, é um documentário sobre dois artistas de marionetes em Los Angeles. Passei quase um ano fazendo esse documentário durante meu mestrado na University of Southern Califórnia. Fiquei muito feliz quando fomos nomeados um mês atrás pelo American Society of Cinematographers com o prestigioso Student Heritage Awards, um dos maiores prêmios cinematográficos para o nível estudantil. Fui premiado como melhor diretor no Copenhagem Film Festival com esse documentário, e até pude dar entrevista pra revista MovieMaker Magazine em Los Angeles. “Nosotros” uma outra curta que dirigi e editei no primeiro ano do meu mestrado entrou em vários festivais e foi premiado como melhor roteiro no Largo Film Awards. Antes mesmo de começar meu mestrado já tinha ganhado o Grand Remi Awards no Houston WorldFest, um dos festivais mais antigos nos Estados Unidos; ganhei pelo filme que dirigi e editei chamado “Chocolate Pudding.” Já dirigi, produzi, e editei filmes com temas humanitários que tem participado de vários festivais, como o “King of the Road” sobre um menino com autismo nos anos 70, e “Iskhod” sobre uma menina grávida refugiada. Trabalhei também no “Into the Trenches” um documentário sobre síndrome pós- traumática em soldados Americanos que atuaram na guerra do Iraque.

Outras obras e produções em que trabalhei são: “Search History” um filme que produzi sobre duas meninas asiáticas a procura de suas origens. Tem tido bastante reconhecimentos nos festivais. Inclusive, o SAG-AFTRA, a federação de atores nos Estados Unidos, escolheu o filme para o Showcase em Los Angeles esse ano. “Arts of a Lost Trade” um documentário que produzi e editei ganhou Melhor Filme no New York City Short Film Festival.

Tenho visto com tudo isso, que Deus tem aberto muitas portas para trabalhar com projetos que tem tido sucesso. Espero e oro firmemente que eu possa um dia retornar e falar sobre o impacto que esta história sobre a prisão do meu pai vai produzir nos festivais e na vida de muitos, e que tudo isso traga muita glória para o nome do Senhor.

FONTE: GUIAME

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